Gregório de Matos
Exemplo de sua poesia religiosa
Da vossa piedade me despido,
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto um pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido,
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida, e já cobrada
Glória tal, e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História:
Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada
Cobrai-a, e não queirais, Pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
MATOS, Gregório de. Obra poética. 2. ed. Rio de
Janeiro: Record, 1990, v. 1, p. 69-70.
COMENTÁRIO
Este soneto exemplifica a poesia religiosa de Gregório de Matos. O eu poético (a voz que fala no poema) dirige-se a Deus, pedindo-lhe perdão pelos pecados. O dizer inicial é tipicamente barroco: constrói-se pelo contraste entre o pecado e o perdão; entre a ira que o pecado causa e o abrandamento que um só gemido alcança; entre a ofensa e a alegria do perdão.
O eu poético relembra, então, a narrativa do Evangelho sobre a ovelha perdida que, ao ser recuperada, tanta alegria causou a Deus. Apresenta-se, então, como a ovelha desgarrada e pede que Deus a recupere e que não perca "na vossa ovelha a vossa glória".